sexta-feira, 11 de abril de 2008

"Quem me dera ser português"


Ao contrário dos nossos governantes vivo preocupado com o futuro. Sou por natureza um individuo optimista, mas aflige-me pensar no que se está a transformar o meu país e o que mais irá fazer dele esta gente que nos (des)governa a quem apelidam de representantes do povo.
Ainda assim, há poucos dias em conversa com um jovem Moçambicano, fiquei a saber que existe alguém que inveja os portugueses. É verdade, também eu, pensei na incongruência desta possibilidade, mas aquele jovem, encheu o meu ego quando me disse "quem me dera ser português". Embora inchado de orgulho não consegui encontrar os motivos e perguntei-lhe os porquês. Ele explicou-me:
- Vocês vão fazer mais uma grande ponte na mesma cidade, eu, estou farto de perder amigos que tentam atravessar 0 rio a nado, acabando devorados pelos crocodilos porque não temos outra forma de o fazer;
- Vocês vão ter um comboio de alta velocidade para percorrer um país muito mais pequeno que o nosso, eu, para ir trabalhar na oficina do meu tio tenho de apanhar uma camioneta sem vidros, todos os dias às 5.00 horas da manhã e percorrer um trajecto de terra cheia de buracos durante 2h30m;
- Vocês vão ter um novo aeroporto, pois este que têm já não chega. Devem todos viajar muito, eu, nunca saí do meu país e sonho um dia conseguir andar de avião.
Depois de ouvir o rapaz e, mesmo com aquele ar com que ficam os portugueses quando os estrangeiros falam bem do nosso país, não fui capaz de ficar calado. Preferi deixar os orgulhos bacocos de lado e tentei explicar-lhe que está um pouco enganado relativamente ao nível de vida dos portugueses. Na verdade, somos um povo muito preocupado em mostrar empreendorismo (ou novo riquismo) mesmo que para lá dessa fachada os buracos sejam os mesmos de Moçambique. Então, procurei passar-lhe uma imagem mais realista dizendo-lhe:
- Nós vamos fazer uma ponte num rio sem crocodilos e onde, para além, de duas pontes uma delas com comboio, existem barcos que passam as pessoas de uma margem para a outra, por isso, não vamos morrer devorados por tais animais, mas vamos ter a cruz de alimentar a vida toda outros tubarões de uma lusoponte qualquer com o pagamento da portagem (mais uma);
- Nós vamos ter um comboio muito rápido, é verdade só que, embora nos vá custar o dobro ou o triplo do bilhete do Alfa vai chegar lá ao mesmo tempo, porque tal como nos estádios do Euro, os presidentes das câmaras de Coimbra, Leiria, Santarém, Aveiro..., todos querem uma estação do TGV. Há que satisfazer toda esta gente, nem que seja à custa de um comboio cheio de aerodinâmica, mas que no meu país fará o mesmo que fazem os comboios que já temos;
- Nós vamos ter um novo aeroporto, mas cada vez menos portugueses vão pder viajar pois o preço dos combustíveis vai aumentar tanto que as companhias aéreas terão de encarecer de tal maneira o preço dos bilhetes que só os mais ricos e os políticos com passagens pagas por nós, vão conseguir continuar a viajar.
Por ultimo, disse-lhe que em Portugal os governantes são levados ao colo pelos empresários das construtoras e pelos administradores dos bancos e depois são obrigados a fazer estas obras para esses ganharem o dinheirinho e mandar para as offshores. No fim das obras feitas, é o estado que tem de gerir estes elefantes brancos com os dinheiros públicos, mas isso não interessa nada.
Disse-lhe então para resumir, que quando essas obras tiverem concluídas apenas 10% dos portugueses as vai utilizar pois os outros 90% já terão morrido de fome, ou para lá caminham e não terão forças para viajar.
Depois de me ouvir, o rapaz rematou uma observação que me deixou perplexo...:
- Pois isso eu sei. Sei que vocês gostam de mostrar que são ricos, fazer grandes obras para meia dúzia de pessoas utilizar, mas aí é que está! Se eu fosse português poderia usar isso tudo porque estou tão habituado a passar fome que conseguiria facilmente resistir, juntar-me aos poucos sobreviventes e ficar com a melhor parte!
Realmente, será justo continuar a investir milhões para dar ainda mais aos que menos precisam? Será honesto gastar o dinheiro de todos em obras para servir só alguns? Será humano continuar a ver gente como nós sobreviver sem o mínimo de dignidade e assobiar para o ar?
Num tempo em que o FMI vem alertar os governos para a situação de pobreza extrema em que se encontram milhões de pessoas, os alimentos estão cada vez menos acessíveis, os juros da casa não param de subir e os desempregados cada vez são mais...nós aqui, fazemos grandes obras para alimentar a minoria dos cada vez mais ricos.

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