segunda-feira, 19 de maio de 2008

Vergonha de ser bom

Hollywood sempre resumiu a vivência humana à realidade ficcionada da divisão entre o Bem e o Mal. Não que fosse preciso esperar tanto tempo para tomar contacto com tamanha evidência mundana, pois a nossa história remonta a séculos de disputa entre puros e malvados.
Ambas as facetas foram tomando proporções diferentes não tanto pela essência falível da carne, mas sobretudo, pelos meios à disposição do utilizador. Estes instrumentos de tortura ou de bem feitorias têm traduzido efeitos cada vez mais elaborados, por vezes até, com um requinte confrangedor, tal é a nitidez com que espelham no espaço fisico a capacidade da mente humana.
É impressionante como voa cada vez mais alto, a capacidade do ser humano fazer o bem, prova são as respostas encontradas ao nível da medicina que ajudaram a erradicar muitas doenças do espectro tangível da urbanidade, mas por outro lado, também a capacidade de infringir o mal nos outros tem crescido de sobre maneira, chegando ao ponto de se elaborarem gases mortíferos para aniquilar milhares e milhares de homens, mulheres e crianças, ou estar esta matança, apenas à distância de um clic que acciona um projéctil a muitos kms de distância.
O que me causa estranheza é o facto da ficção emanada da terra do cinema ser contextualizada e justificada pela sociedade que temos e que todos vamos construindo. A triste realidade é existirem mesmo, indivíduos que se alimentam do mal e daí retirarem o seu sustento e sobrevivência. Ao que parece existem mesmo pessoas que obtêm um prazer ignóbil do infortúnio dos outros e, no caso de o azar não acompanhar a vida do próximo, eles próprios se oferecem sem hesitação para providenciar as maravilhas da maldade às vidas alheias.
Tenho vindo a reparar na escassez de gestos e manifestações puras de afecto que as gentes trocam entre si, em comparação com a facilidade com que se fazem acusações, espalham intrigas e apresentam olhares envenenados. Chego a pensar se haverá pelas terras do demo, um prémio especial para quem mais vidas derrubar, como se de um jogo da batalha naval se tratasse. Ou se estará a prática do bem completamente fora de moda.
Parece existir um sentimento envergonhado quando se pretende fazer o bem, talvez por ser cada vez menos usual tal gesto as pessoas tenham interiorizado que o bem deva estar escondido e ser apenas praticado na clandestinidade de um mundo que agora pertence à batuta do mal.
Se assim for, então, todos devemos perder a vergonha! Temos de sair à rua sem medo e em coro gritar a uma só voz: eu não tenho vergonha de ser bom! Eu quero ser um cidadão melhor a cada dia que passa! Mas também, há que construir. Não basta dizer que somos melhores. É preciso fazer coisas que nos façam crescer enquanto homens. É necessário sair do campo rasteiro onde se movem os maus, sair ileso da imundice onde se banham os pobres de espírito, para depois voltar e ajudá-los a não avaliar os outros sob os seus frouxos pressupostos, para que entendam que pode existir um Mundo melhor além, daquele que eles reflectem no espelho das suas latrinas.
Para isso, basta que todos sejamos melhores e pratiquemos o bem, aspirando apenas a viver em paz com as nossas consciências e receber em dobro aquilo que damos aos outros.